Um por um. Todo dia. Apaga um novo e acende os olhos. Aspira o que sobrou pra jogar na cama quando for dormir. Em cacos ou em pó. Depois passa alguém e abre as cortinas pra arregalar os olhos de vez. Pensa em retribuir as gentilezas, mas para sempre com a mão na porta. Sempre parou. Mas tenta. O chuveiro tá frio e ainda tem conta de luz pra pagar hoje. Tem fila do supermercado pra enfrentar. Tem uma multidão lá fora pra esbarrar, mas não sabe ser gentil. Tropeça nos cadarços que nunca aprendeu a amarrar. Derruba todos eles. Um strike desajeitado e inconveniente. Sempre foi assim, com seus erros cumulativos. Bola de neve com destruição ambulante. Cada vez maior o montante, sem nenhuma subtração que amenizasse o peso e trouxesse aprendizado. Numa roda gigante de um círculo vicioso. E tem medo quando chega ao alto. Mas tenta.
Deixa tudo de lado. Já não tem mais medo de altura. E pula. Machuca os dois braços – só que não tem mais marca de cigarro neles. Não tem mais bituca pela sala e a fumaça que sai da cabeça já não é mais cinza. Deixou de usar a chama artificial pra acender os próprios desejos. E jura que todo homem precisa de um vício pra se manter vivo. Algo que corrompa e que não possa ser regenerado facilmente. Um purgatório opcional. Pra se sentir humano. Sentir que faz parte de alguma coisa como a Terra. Pra acreditar que tem algo sob os pés antes de desabar. Na verdade, não acredita em nada disso e só vive por aí porque não sabe desistir. Mas tenta. Sempre tentou.
Resta um. E já não sabe mais se o caminho certo é o da esquerda, o da direita ou nenhum deles. Pensa em retribuir as gentilezas, e é isso que corta seu coração – porque não tem gentileza pra retribuir. Pensa em pintar uns quadros e logo vê que a tendência repetitiva não vai levar a lugar nenhum. Decora uns livros e pede socos invisíveis no estômago pra ver se sente alguma coisa. Não sente. Resolve sair de casa pra sentir, mas para sempre com a mão na porta. Sempre parou. Mas ainda tenta.
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